21.10.08
O Causo do Marido e O Lobisômi
Caros leitores, antes de continuar com essa série, cabe salientar que procuro ser o mais fiel possível com os fatos narrados, porém, às vezes, é inevitável que haja algum aumento, alteração ou modificação em determinadas situações, não por motivos de vaidade, mas por desvios da memória mesmo. As histórias são de minha infância, portanto trata-se da memória de uma criança e as crianças são muito imaginativas. Mas não só isso, ainda por cima, existe o homem buscando as lembranças da criança e tentando enxergar como ela enxergava.
Apesar de criado na cidade grande sempre fui do mato. Onde encontrasse um terreno baldio, um parque, uma lagoa perdida ou qualquer resquício de mata, era lá que eu gostava de brincar. O contato com a terra, as plantas e os insetos era minha diversão favorita. Tatuzinhos, centopéias, mamoneiras, libélulas, árvores para subir e toda espécie de coisas naturais povoaram minha infância.
Todos os anos eu aguardava ansiosamente as férias escolares, pois sempre viajávamos para a casa dos meus avós. A cidade de Uraí no interior do estado do Paraná era a residência de minha avó materna e mais uma porção de tias, tios e primos. A casa era toda de madeira e cheia de cristaleiras, bibelôs, lembrancinhas, calendários antigos, enfeites, etc. Era uma casa com muita personalidade e me despertavam a curiosidade as histórias e lembranças de cada objeto que minha avó guardava com muito carinho. Tinha um porão enorme, no qual nenhuma das crianças tinha coragem de entrar. O quintal era repleto de árvores frutíferas, jabuticabeira, mangueira, canavial e um abacateiro no qual passávamos o dia inteiro trepados. À noite chegava o momento mais esperado, as mulheres se reuniam para prosear na cozinha. Todas as mulheres da família de minha mãe eram dotadas de poderes mediúnicos, benziam, liam o futuro nas cartas, na xícara de café e tinham a percepção aguçada para presença de entidades e espíritos errantes, e lá pelas altas da madrugada começavam a contar os causos, as histórias sobrenaturais. Num misto de curiosidade e medo a criançada ficava de ouvidos atentos, à revelia dos mais velhos: “Ficam de butuca na conversa dos adultos? Depois não vão dormir de medo!” Certo dia minha avó contou a história de um lobisomem que atacava na cidade: Numa noite fria de lua cheia, um casal que tivera um bebê recentemente passava por uma crise conjugal. No calor da discussão o marido saiu de casa e ganhou a rua sem dar satisfações de onde iria. A esposa que ficara sozinha com o bebê trancou a porta e colocou a criança no berço, embrulhadinha numa manta cor de rosa. No avançar da madrugada ela ouviu os rosnados e grunhidos infernais que vinham do quintal, assustada, agarrou o filho e escondeu-se debaixo da cama. A força do animal era tamanha que reduziu a porta a lascas e invadiu a casa. Foi direto ao berço, cheirou, rasgou e destruiu tudo quanto tinha o odor da criança (pois é sabido que os lobisomens possuem uma atração por crianças recém-nascidas, e em especial naquelas que ainda não foram batizadas). A mulher desesperadamente tentou fugir no momento em que a aberração virou a cama. O bicho pulou sobre ela e com um golpe jogou-a longe tomando o recém-nascido de seus braços. A última visão que teve foi do lobisomem carregando seu filho para dentro do breu da noite fria. No dia seguinte seu marido apareceu completamente embriagado e inerte ao sofrimento da esposa, caiu na cama e dormiu imediatamente, ao aproximar-se do esposo, através de sua boca aberta, a mulher pode ver um pequeno fiapo de manta cor de rosa que ainda estava preso em seus dentes.
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